Em um artigo publicado em fevereiro, neste mesmo espaço, afirmamos que a nossa maior preocupação não era com a eutanásia, mas com a distanásia. Os debates bioéticos sobre a eutanásia e suicídio assistido, apesar de encontrarem grande apelo na sociedade globalizada, têm pouca relevância do ponto de vista epidemiológico no Brasil. São raros os pacientes ou familiares de pacientes que efetivamente desejariam realizá-los na prática, caso estes procedimentos fossem permitidos. Além disso, não é consenso de que com eles se possam melhorar os cuidados no final da vida.
Ou seja, devemos direcionar os esforços para evitar o sofrimento desnecessário envolvido quando prolongamos o processo de morrer. Agora, nove meses depois, mas com um retardo de algumas décadas em relação a outras nações, a ortotanásia foi finalmente aprovada no Senado.
A doença em fase avançada obriga o médico a se defrontar com o momento mais difícil e delicado da vida do paciente e de sua família. Nos países desenvolvidos, grande parte dos cuidados dos pacientes terminais tem sido realizada dentro dos hospitais. Nos Estados Unidos, apesar de a maioria dos pacientes passarem os últimos meses de suas vidas aos cuidados de seus familiares, habitualmente eles não morrem em casa. Acredita-se que cerca de 60% dos óbitos ocorram nos hospitais, o que faz com que os médicos estejam mais diretamente envolvidos nas decisões sobre o final da vida dos seus pacientes do que em qualquer outra época.
Existem situações na prática clínica em que os pacientes ou os seus familiares solicitam para que seja feito todo o possível para prolongar a vida, mesmo que o paciente esteja em fase terminal e com grande sofrimento. Infelizmente, isso ocorre com certa frequência nos hospitais, particularmente no Brasil. Em sua maioria, são pacientes e familiares sem preparo prévio adequado para a fase terminal. Não se discutiu, muitas vezes, sobre o manejo cientificamente e humanamente esperados para esta fase. Além disso, a falta da regulamentação da ortotanásia trazia uma preocupação adicional: a possibilidade de condenação do médico por homicídio. Para muitos, então, era melhor, no jargão médico, "pecar por excesso". Infelizmente, o excesso pode, em muitos casos, aumentar a dor e o sofrimento.
Diante da inevitabilidade da morte, o respeito à pessoa que está morrendo é o mais importante. O trabalho do médico e dos profissionais de saúde continuará, atendendo e cuidando da aplicação de tratamentos proporcionais e cuidados paliativos.
Assim, os médicos têm a responsabilidade ética, baseada nos princípios de beneficência e de não maleficência, de não submeterem os pacientes a tratamentos considerados desproporcionais. Estabelecer para cada caso individual os limites entre o que é ético e cientificamente adequado, e o que é desproporcional e que agride a dignidade do paciente e de seus familiares.
Deve-se salientar, contudo, que os cuidados básicos com o paciente devem ser mantidos. Hidratar, alimentar, tratar a dor e outros sintomas associados, cuidar da parte psicológica e espiritual do paciente e da família continuam elementos fundamentais. Fazem parte dos cuidados paliativos e do próprio conceito de ortotanásia no modelo proposto para o Brasil.
Também devem ser colocados os benefícios potenciais do não uso de vagas em unidades de terapia intensiva (UTI) por pacientes que não têm indicação clínica e mesmo da diminuição de gastos desnecessários com tratamentos inadequados, ineficientes e até mesmo que podem agredir ao paciente. Em sistemas de saúde carentes de recursos financeiros e, em algumas regiões até de um número suficiente de vagas nas UTIs, isso deve ser considerado como algo importante. Pacientes terminais não se beneficiam do ambiente das UTIs, ao contrário, esta instrumentalização da morte é, na maioria das vezes, deletéria. Um aumento desnecessário do sofrimento para pacientes onde a morte é inevitável.
Mas, dentre os benefícios potenciais mais importantes que podem ser alcançados para a sociedade, pode-se ressaltar o de tornar cada vez mais claro aos profissionais de saúde, aos pacientes e seus familiares, o conceito de proporcionalidade terapêutica. A complexidade de cada caso individual, a aplicação do conhecimento ético e científico pode servir como aprendizado contínuo nesse sentido, visando a progressiva melhora nos cuidados dos pacientes terminais. Um estímulo ao desenvolvimento de uma das áreas mais importantes da medicina e, infelizmente, ainda pouco valorizada no nosso meio: a dos cuidados paliativos.
A regulamentação da ortotanásia, portanto, exige dos médicos, pacientes e da sociedade toda, um trabalho conjunto para os benefícios dos cuidados integrais com o paciente terminal. Comunicação adequada, critérios científicos rigorosos e, quando for necessária, a intervenção jurídica para evitar que ocorram agressões aos valores éticos. Vislumbrar a transcendência do homem em todas as fases da vida, evitando-se ao máximo as decisões que o agridam: este deve ser o critério universal utilizado como base para as decisões médicas na fase final da vida.
Cícero Urban é médico oncologista, professor de Metodologia Científica e Bioética no Curso de Medicina e na Pós-Graduação da Universidade Positivo e vice-presidente do Instituto de Ciência e Fé.
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