terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O PREÇO ALTO DO DIPLOMA


Recém-formados demoram anos para conseguir revalidação e chegam a gastar R$10 mil no processo. MEC anuncia mudanças no projeto-piloto para este ano.

Givaldo Barbosa/Ailton de Freitas

Depois de passar perrengue estudando fora do país, os formandos em Medicina ainda têm um longo e tortuoso caminho para revalidar o diploma no Brasil. Até 2009 tinham que recorrer a provas de universidades federais sem periodicidade certa. No ano passado, o MEC e o Ministério da Saúde elaboraram um projeto-piloto de revalidação, com o objetivo de unificar o processo, mas, de 628 recém-formados inscritos, apenas dois foram aprovados no exame teórico, chegando à prova prática e à aprovação.

Elisabete Ostrowski, formada em 2009 na Universidade Adventista del Plata, na Argentina, foi uma delas. Ela já havia passado na prova de revalidação da Universidade Federal do Mato Grosso, em Cuiabá, mas fez a prova do projeto-piloto mesmo assim. Agora, faz residência em Ginecologia e Obstetrícia em Ribeirão Preto, na USP.

- Para a prova escrita do projeto-piloto, é necessário estudar para complementar o conhecimento que adquirimos lá. É cansativa e extensa, o que diminui nossa capacidade de raciocínio. Para passar, eles exigiam 70%, o que é muito. Mas é que nem concurso público: quem está estudando uma hora passa - compara Elisabete.

Adventista, ela decidiu ir estudar na universidade argentina ao não conseguir passar no vestibular da UnB em 2002. Em 2007, voltou para fazer o internato no Brasil.

- Fiz o estágio no Hospital Adventista de Belém e não vi muita diferença em relação à Argentina. O ensino lá era bom. Dá para fazer a prova prática com o conhecimento adquirido lá - diz Elisabete.

Celso Araújo, representante do MEC junto à subcomissão de revalidação de diplomas de médico obtidos no exterior, antecipa que o edital do projeto-piloto que será publicado nas próximas semanas terá duas principais mudanças em relação à primeira edição: a nota de corte será flutuante entre 50% e 80%, e a prova teórica será descentralizada em dez grandes municípios. No ano passado, tanto o exame teórico como o prático foram em Brasília.

- Nos próximos exames, uma comissão de especialistas das universidades que aderirem ao projeto-piloto examinará a prova e, a partir daí, definirá o percentual de acerto possível e a nota de corte, que pode variar de 50% a 80% - diz Araújo.

Ele explica ainda que a descentralização da primeira etapa tem o objetivo de evitar o alto índice de abstenção do exame: dos 508 aprovados na equivalência do currículo escolar, apenas 281 foram à prova escrita:

- Isso vai facilitar o acesso dos candidatos. Muitos faltaram porque não tinham dinheiro para viajar até Brasília. Antes, os processos eram longos, demorados e custosos para pessoas de outros estados.

Renata Pimentel sabe bem disso. Formada em 2008 na Universidade Maior de San Simón, em Cochabamba, ela calcula que gastou mais de R$10 mil para conseguir revalidar o diploma no Brasil. Antes do projeto-piloto do MEC, ela já havia tentado a revalidação nas federais de Goiás (UFG), Rondônia (Unir), Mato Grosso do Sul (UFMS) e UnB. Em 2010, finalmente conseguiu na UFMT.

- Primeiro, disseram que a minha carga horária era insuficiente. Tive que voltar à Bolívia e pegar um novo documento que atestasse que a carga horária é compatível. Em traduções de documentação gastei R$3.500, mais R$2 mil com advogado, fora inscrições e viagens - detalha Renata, que pegou seu CRM na semana passada.

Apesar de não ter passado no vestibular da UnB, ela ganhou uma bolsa por ser a segunda colocada num processo seletivo para a universidade pública boliviana. Além disso, foi aprovada em um intercâmbio no Hospital Universitário de Ghent, na Bélgica, onde estudou cirurgia em 2008. Mesmo não passando para a etapa final do projeto-piloto do MEC, ela aprova a iniciativa.

- A prova foi muito bem elaborada com assuntos importantes que todo médico deve saber. A capacidade tem que ser exigida e verificada por causa do boom de universidades particulares. O aprendizado da Bolívia é o suficiente para ser aprovado em todas as provas, mas como eu já havia passado na UFMT, fui fazer a do MEC só porque estava inscrita - ela justifica.

José Luiz Gomes do Amaral, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), diz que o alto índice de reprovação no projeto-piloto não o surpreende devido à má qualidade da maioria dos cursos de Medicina na Bolívia, Argentina e Cuba.

- Essas escolas são muito fracas, e os estudantes chegam despreparados para exercer a profissão no Brasil. A maior parte escolhe essa via, pois não conseguiu passar no vestibular e não tem condições de acompanhar o curso médico. Em Cuba, só é preciso mostrar que um parceiro político o indicou para conseguir a vaga - afirma Amaral.

Gabriella Ribeiro não concorda. Ela se formou na Elam, em Cuba, em 2006, mas só no ano passado conseguiu revalidar seu diploma, após passar nas provas das federais de Minas Gerais e Goiás, anteriores ao projeto-piloto. Antes, ela havia tentado revalidar na UFMT por duas vezes.

- Nunca fui filiada a nenhum partido. Ganhei uma bolsa da embaixada cubana e saí de lá preparada para tudo: desastres, atendimento médico e exames clínicos da cabeça aos pés. Em 2009, fui eliminada na UFMT porque meu celular disparou durante a prova. Vou fazer prova de residência só em 2012, pois ainda tenho muitas dívidas a pagar - ela diz.

Fonte: O Globo

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