sexta-feira, 9 de abril de 2010

Cardiologistas respondem ao comentário de Lula


O presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), Jorge Ilha, protocolou na Presidência da República a carta abaixo em repúdio às críticas do presidente Lula à classe médica. A atitude da SBC foi uma reação a comentários feitos pelo presidente na última semana, comentários que foram amplamente noticiados pela imprensa. Lula reclamou que "os médicos não aceitam ou cobram caro para trabalhar no interior e periferias e que é muito fácil ser médico na avenida Paulista".

A fala do presidente gerou reações imediatas. José Luiz Gomes do Amaral, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB) também saiu em defesa de sua classe. "O que o presidente finge não saber é que o médico sozinho no interior ou em periferias é incapaz de promover saúde. Ele precisa de apoio para exercer a sua profissão, como laboratórios, equipamentos para exames, hospitais, enfim tudo o que não é prioridade ou é claramente insuficiente em seu Governo. Lula também finge não saber que ninguém é contra o médico cubano: exige-se apenas que ele, como qualquer outro, se submeta ao exame de avaliação exigido para formados no exterior".

Amaral criticou também qualquer novo imposto em nome da Saúde. "Quanto à CPMF, governar impondo novos impostos ao já fatigado povo brasileiro, Sr. Lula, é tão vulgar quanto dizer que é fácil ser médico na avenida". O presidente da SBC, Jorge Ilha, também criticou a fala de Lula. "Os médicos da avenida Paulista, criticados por V. Excia., são os mesmos que, a cada dia, atendem milhares de pacientes pobres, vindos de cidades distantes em incontáveis ambulâncias das Prefeituras, que chegam a formar fila nas estradas, de madrugada", afirma o cardiologista, na carta endereçada à Presidência.

Veja a carta da SBC:

Porto Alegre, 01 de abril de 2010

Prezado presidente,

A Sociedade Brasileira de Cardiologia – SBC vem externar sua decepção pelas palavras divulgadas pela imprensa e atribuídas a V. Excia. durante a solenidade de entrega de ambulâncias em Tatuí, quando teria criticado a classe médica em geral. A SBC também se solidariza com o presidente da Associação Médica Brasileira que, em nome de 350 mil médicos brasileiros, fez um desagravo aos profissionais atingidos em sua dignidade e honradez pelas referidas declarações, tão estranhas, que temos dúvida se a imprensa reproduziu fielmente suas palavras.

Em nome dos 12 mil cardiologistas brasileiros, grande parte dos quais exercendo a profissão em cidades pequenas, mesmo em povoados às margens dos rios amazônicos, distantes dos grandes centros, com poucos e antiquados equipamentos e, mesmo assim, salvando vidas, a SBC vem lembrar que o esforço de seus associados está levando o País em anos recentes a reduzir o número de mortes por causas cardiovasculares que, até há pouco, roubavam 315 mil vidas de brasileiros a cada ano.

Esses cardiologistas que trabalham em todos os rincões brasileiros, senhor presidente, é que garantem o eficiente e rápido tratamento de uma crise de hipertensão, como a que afetou o presidente da República no Nordeste brasileiro e são eles que, em campanhas como a que se desenvolve neste momento, difundem informação sobre fatores de risco como a hipertensão, o tabagismo, a obesidade, para que no futuro os brasileiros não passem por crises semelhantes à que atingiu V. Excia.

São esses médicos que, recebendo pouco do SUS, muitas vezes não tem recursos para acompanhar os congressos internacionais onde são apresentados os avanços da Medicina. Esse é o motivo que os leva a se valerem da Internet para a “Educação Continuada” oferecida por essa Sociedade, para que no Brasil inteiro os pacientes sejam atendidos por uma Cardiologia de ponta, por médicos tão capacitados como os dos países desenvolvidos.

E é por causa do intenso esforço, dos seis anos de estudo, somados aos de residência médica, aos quais se acrescenta toda uma vida de atualização, frequentemente de pesquisa, que os cardiologistas exigem que médicos formados em cursos como os de Cuba passem por exames que demonstrem serem tão capazes como os profissionais formados no território brasileiro. Não estamos defendendo nossa categoria com essa exigência, presidente, mas sim buscando a garantia de que os pacientes brasileiros sejam atendidos por profissionais efetivamente capacitados.

Pedimos vênia para lembrar mais que, se hoje milhares de cardiologistas trabalham em cidades onde não se conta com recursos de tomografia computadorizada, de ressonância magnética, laboratórios nem salas cirúrgicas adequadas, senhor presidente, não é culpa dos médicos e nem da falta da CPMF, imposto que, tendo vigorado por vários anos, não foi empregado para sanar as mais evidentes lacunas da Saúde nas cidades pequenas, ao contrário do que desejava quem o propôs, justamente um cardiologista.

Os “médicos da avenida Paulista”, criticados por V. Excia., são os mesmos que, a cada dia, atendem milhares de pacientes pobres, vindos de cidades distantes em incontáveis ambulâncias das Prefeituras, que chegam a formar fila nas estradas, de madrugada, trazendo pacientes em busca da ajuda médica que a cidade grande oferece e com a qual não contam em suas cidades de origem, e não por culpa dos profissionais da Saúde.

Num País em desenvolvimento como o nosso, em que são limitados os recursos para a Saúde e escassas as verbas para comprar o aparelhamento mais moderno, é simplesmente natural que se formem umas poucas instituições de excelência, altamente equipadas, para onde migram os pacientes das regiões próximas.

Esse fenômeno é conhecido e foi vivido por V. Excia. quando, para seus exames e testes, que necessariamente tem que ser os mais completos possíveis, pela importância de sua pessoa, os médicos que o atendem fazem com que o presidente da República deixe Brasília e frequente dois hospitais, o Incor e o Sírio Libanês, situados, justamente, no entorno da avenida Paulista, citada jocosamente por V. Excia como o local “onde é fácil ser médico”.

Garantimos, ao contrário, que jamais foi fácil ser médico no nosso País, onde a Medicina continua tendo conotação de sacerdócio, principalmente para o crescente número de profissionais que depende, para sua sobrevivência, dos seguro-saúde. Ainda agora as Sociedades médicas lutam e sozinhas, para conseguir que essas empresas que ganham importância diante da falha da Saúde Pública, sejam levadas a pagar uma contrapartida pelo menos digna a quem dedicou sua vida ao exercício da Medicina.

Atenciosamente,

Jorge Ilha Guimarães - Presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia – SBC

Fonte: DOC Press

3 comentários:

HSaraivaXavier disse...

Lamentável que a maior autoridade do país esaja alheia aos reais motivos do caos na saúde da população brasileira e coloque a culpa exatamente naqueles que carregam sobre seus ombros o peso do descompromisso e má gestão públicos.

Convido o colega para visitar meu novo blog;
Um abraço
Heltron Xavier


http://blogdoheltronxavier.blogspot.com/

Unknown disse...

Maravilhoso o depoimento do Dr Jorge Ilha. Fico decepcionado quando vejo que poucos profissionais lutam para nossa dignidade, enquanto tantos mil médicos ficam sentado numa cadeira, acomodado com a situação, assistindo ao BBB. Cadê as outras sociedades??? Vocês vão ficar quietos???

Anônimo disse...

Parabens pela carta de repudio ao comentario desastroso do presidente da naçao - baseado em seu grau de cultura, acredito que nosso mandatario va necessitar de um "interpretador de textos" para poder entender o real significado dos fatos citados pelo dr Jorge Ilha.