quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O SUS PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO E A INTERIORIZAÇÃO DA MEDICINA

Admite-se como fato inconteste que existem mais de 1500 municípios brasileiros sem a presença de médico em seu sistema de saúde. Dos outros municípios restantes, a quantidade de médicos contratados é bastante reduzida ou inexpressiva. Porque então, salvo exceções, o grosso dos municípios brasileiros não consegue contratar estes profissionais?

Basicamente porque o SUS foi tergiversado utilizando como “razão” para tanto o famigerado processo de “Descentralização”, através do qual foram impostas a Estados e Municípios obrigações e competências que não estavam previstas no projeto originário.

Primeiro lembremos que o SUS foi criado pela Constituição Federal (1988) como “SISTEMA ÚNICO”, sendo descrito no art. 198 como “ações e serviços públicos de saúde” que integram uma REDE REGIONALIZADA E HIERARQUIZADA, tendo como diretrizes a DESCENTRALIZAÇÃO, o atendimento Integral e a Participação da comunidade.

Entretanto, no parágrafo único do artigo 198 da CF está assentado que o SUS teria de ser financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

Do previsto no artigo 195, deve ser ressaltado que a proposta de orçamento devia ser elaborada de forma INTEGRADA, ou seja CONJUNTA.

Dois anos depois, os dispositivos constitucionais foram regulamentados por leis específicas (8.080/90 e 8.142/90), onde ficou patente que a DESCENTRALIZAÇÃO ERA POLÍTICO-ADMINISTRATIVA.

As leis regulamentadoras determinava que deveriam ser descentralizados OS SERVIÇOS DA REDE para os municípios, de forma regionalizada e hierarquizada.

Significa isso que a descentralização era única e exclusivamente de SERVIÇOS e não de TUDO, como acontece hoje. Com a “descentralização" a União encontrou o meio para desmontar o sistema e atribuir a estados e municípios obrigações que não estavam previstas na constituição e nem na legislação correlata.

Por outro lado, agregue-se a essa circunstância que o inciso XI do artigo 7º da Lei 8.080/90, tira qualquer dúvida sobre as obrigações conjuntas das três esferas de governo ao determinar, como PRINCÍPIO a ser OBEDECIDO que deve existir CONJUGAÇÃO DOS RECURSOS FINANCEIROS, tecnológicos, materiais e humanos da UNIÃO,DOS ESTADOS, DO DISTRITO FEDERAL E DOS MUNICÍPIOS, na prestação de serviços de assistência à saúde da população".

Patente então que o atual modelo implantado pela União, com a conivência dos Estados, DESCUMPRE desde a Constituição até as Leis que regulamentam o SUS e penalizam principalmente Municípios aos quais atribui a obrigação indevida de CONTRATAR SEUS PROFISSIONAIS, fundamental entrave para que o Sistema funcione.

São contados nos dedos das mãos os municípios que contam com recursos financeiros suficientes para contratar servidores que atendam em suas unidades de saúde, situação que se complica se lembramos que a Lei Rita Camata obriga Estados e Municípios a não comprometer seus orçamentos com mais de 49% para pagamento de pessoal.

Estas limitações atingem em cheio o Sistema de Saúde já que estudos demonstram que qualquer unidade de saúde de mediano porte NÃO FUNCIONA com menos do que 60% ou 70% do seu orçamento investido em pessoal, já que saúde não se faz com máquinas ou instrumental, se faz com gente e gente que deve ser qualificada, bem remunerada, assistida, instruída, atualizada em suas práticas e, também por certo, cobrada, fiscalizada, gerida com competência e técnica, o que implica estabelecimento de objetivos e metas periodicamente aferidas.

Como então pretender que Estados e Municípios menores, cujo orçamento quase todo é subsidiado pela União, tenham recursos e banquem a contratação de “seu” pessoal técnico para as unidades de saúde?

Como atribuir a estas entidades obrigação que todos sabem jamais poderá ser atendida?

O Ministro Gomes Temporão disse que o Ministério da Saúde pretende acabar com o pacto de mediocridade que hoje existe – o SUS faz de conta que paga e o médico faz de conta que trabalha -, afirmando que estão revisando tabelas de remuneração dos atos médicos. Nada mais justo, porque a maioria dos valores pagos pelo SUS está defasada e sequer cobrem os custos essenciais de quem os realiza, financia e subsidia.

A saída é única, como o SUS: Retornar às suas origens constitucionais.

Assim como não existe doente de município ou de estado, tampouco pode existir médico de município ou de Estado. Se os pacientes são pacientes do SUS, porque o SUS não conta com o seu corpo de profissionais para atender esses pacientes?

Isso nos leva ao estabelecimento imediato da CARREIRA DE ESTADO para os profissionais que atuam no SUS.

Trocando em miúdos, o SUS, por mandato constitucional, deve formar um fundo comum ou, como previsto na legislação, um ORÇAMENTO INTEGRADO E CONJUNTO, conformado por verbas da União, dos Estados e dos Municípios, ademais da Previdência Social, para contratar profissionais, construir unidades de saúde, adquirir mobiliário e instrumental, montar laboratórios e outros meios de apoio diagnóstico e terapêutico e todo o mais que for necessário para que o sistema funcione como uma UNIDADE, de tal forma que o paciente seja atendido desde o seu ingresso até a sua cura, sem necessidade de apelar para que parentes, amigos ou políticos, consigam fichas para consultas, ou vagas para cirurgias, ou recursos para adquirir medicamentos, cadeiras de rodas, órteses e próteses, etc.

Somente esse tipo de atuação acabaria com o drama de mais de 1.500 municípios brasileiros que hoje não tem médico.

O SUS contrataria seu pessoal, por exemplo, como a Justiça Eleitoral contrata seus membros e servidores. Na Justiça Eleitoral existem juízes nos Tribunais Superiores, Juízes nos Tribunais Regionais e Juízes em comarcas de todo o Brasil. Todos eles são pagos com verbas do TSE e do TRE. Nenhum Estado ou Município tem de bancar o seu Juiz Eleitoral e por isso o Estado Brasileiro garante plena e total cobertura nacional.

Implantado esse mesmo modelo no âmbito da saúde, a atenção de alta complexidade (nosso Tribunal Superior) seria gerida e contratada pela União. Já para os atendimentos de média e baixa complexidade e para a atenção básica (Tribunais Regionais e juízes de comarca), seriam feitos concursos regionalizados para preencher vagas nos Estados e estes, por sua vez, fariam a lotação dos contratados em cada município, dependendo das características regionais do atendimento. A remuneração destes servidores seria toda ela bancada pelo SUS, afinal para isso foram criados os Fundos de Saúde, hoje resumidos a figuras decorativas.

Não precisamos inventar nada. Esse era o modelo com o qual o antigo INAMPS atendia todo o país. Foi com esse modelo que muitos médicos dos que hoje moram no Acre vieram para cá, constituíram família e se fixaram. O PITS (Programa de Interiorização de Trabalhadores em Saúde), também demonstrou que não faltam médicos para atender em todo o Brasil. O que falta, então?

Vontade real de se fazer política de saúde desvinculada de ranços partidários. Falta compromisso de nossos governantes para entender que saúde é fundamental para o país, tanto quanto ou mais que a educação, já que nenhum doente ou desnutrido será capaz de estudar e assimilar como o faz um hígido.

A mudança exige tratamento político o que determina a exigência de muito trabalho porque nossos políticos, salvo raríssimas exceções, somente se interessam por algum problema quando o clamor da população conta com o respaldo da imprensa.

Por enquanto apenas os Conselhos de Medicina e as outras entidades médicas estão nessa campanha de esclarecimento convocando todos para engrossar fileiras na luta para fazer o sistema funcionar.

Por Miguel Angel Suarez Ortiz – Assessor Jurídico do CRM-AC, publicado em 30.08.09 no www.transparencia.med.br


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