sábado, 27 de fevereiro de 2010

A vida em mãos alheias

Mônica Monir (Estadão)

Um jornalista assume ter asfixiado o parceiro, que padecia de uma doença terminal. É o estopim para repensar a eutanásia.

Vinte anos podem parecer uma eternidade, mas para o jornalista britânico Ray Gosling é o passado que conta. Em um documentário realizado pela rede BBC sobre cerimônias fúnebres, ele confidenciou ter asfixiado há duas décadas um companheiro que padecia de aids num hospital. Asfixiou com um travesseiro, depois de os médicos terem afirmado que o parceiro enfrentaria dores terríveis e nada mais poderiam fazer a respeito.

"Quando se ama alguém, é duro ver a pessoa sofrer", disse. Deve ter revelado muito mais no dia e meio que passou preso. A público, porém, não vieram o nome do hospital, tampouco o do companheiro, tampouco ainda em que estado de finitude ele se encontrava. Por enquanto. Obviamente, a polícia britânica não terá dificuldade para chegar à crueza dos fatos. Mas a coisa extrapolou porque Gosling dividiu a cumplicidade de seu ato extremo com a vítima. Ambos teriam feito um pacto de suicídio assistido caso um deles sucumbisse a alguma enfermidade incurável. Para os amigos que sabiam da história, foi o que aconteceu. Para os cumpridores da lei, a suspeita é de homicídio.

O padre Leo Pessini sabe dessa missa tanto quanto você. De sua experiência de 30 anos com situações de fim de vida, no entanto, ele deduzia que logo seria questionado sobre o dilema da eutanásia. Autor de 23 livros sobre o assunto, um deles, Ibero-American Bioethics: History and Perspectives, agora disponível na Amazon, Pessini se apega menos aos detalhes do caso e mais à problemática humana diante da dor excruciante. Daí ser pregador ferrenho dos cuidados paliativos, aqueles em que se oferece conforto e dignidade ao paciente em sofrimento.

De sua mesa na vice-reitoria do Centro Universitário São Camilo, Pessini retira um texto sobre a experiência da Federação Belga/Flamenga de cuidados paliativos. É dela que parte seu principal raciocínio sobre a legalização da eutanásia e o aumento (ou não) da procura pelo processo, que seguem nas linhas abaixo.

O ex-capelão do Hospital das Clínicas da USP também reflete sobre as reviravoltas da própria vida. Antes conselheiro de pacientes e familiares em aflição, hoje ele é fonte de amparo bioético para os médicos, que o requisitaram na elaboração do novo código de ética da categoria. "Finalmente a medicina brasileira entrou no século 21 admitindo o princípio da finitude humana", diz. Antes, elucida, a morte parecia não existir.

Clique aqui e leia a entrevista completa concedida pelo Padre Léo Pessini.

Léo Pessini (foto)

Professor doutor em Teologia Moral; pós-graduado em Clinical Pastoral Education and Bioethics pelo St. Luke's Medical Center, em Milwaukee (EUA); membro da Diretoria da Associação Internacional de Bioética; superintendente da União Social Camiliana e vice-reitor do Centro Universitário São Camilo (SP).

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